Reportagem Especial – Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos: Primeiro passo – Ed. 383

De segunda a sexta-feira, das 8h às 17h18, a rotina de trabalho de Luciane (que prefere não ter o sobrenome revelado), de 55 anos, é varrer o canteiro central e os dois lados de uma rua na região Metropolitana de Porto Alegre/RS. Ao todo, ela percorre seis quilômetros empurrando um pesado carrinho de ferro, além da vassoura e de uma pá. “No fim do dia, sinto dor nos punhos e nas pernas”, comenta. Mas esta não é a principal queixa da trabalhadora, que diz estar acostumada com os calos que coleciona nas mãos e as dores pelo corpo. Para ela, a principal preocupação está relacionada com o risco de acidentes. “Outro dia um carro foi dar ré e acabou atingindo o joelho de uma colega que estava trabalhando. Ele saiu sem prestar socorro e ela ficou caída no chão”, recorda.

Luciane também precisa contar com a boa vontade de comerciantes e moradores da rua para usar o banheiro, beber água e esquentar a vianda do almoço, que acomoda embaixo do saco dos resíduos que recolhe dentro do coletor de lixo. “Nesses dias mais quentes com frequência a comida azeda e preciso comprar algum lanche para comer”, lamenta. A trabalhadora também enfrenta problemas em dias de chuva, quando precisa buscar abrigo para se proteger. “Outro dia começou a chover de manhã e ficamos até o final do expediente embaixo de uma marquise esperando o ônibus da empresa nos buscar”, revela.

A partir de 2 de janeiro de 2024, quando a NR 38 (Segurança e Saúde no Trabalho nas Atividades de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos) entrar em vigor, o objetivo é que a realidade de Luciane comece a mudar. Não só a dela e de seus colegas de varrição, mas também daqueles que atuam na poda de árvores, na coleta de resíduos e em outras funções do setor. A nova NR foi publicada mais de dez anos depois que a categoria iniciou as discussões sobre a necessidade de regulamentação da SST na área. O documento é considerado um primeiro, mas importante passo para que estes trabalhadores tenham mais saúde, segurança e dignidade no trabalho.

Milhares de toneladas de resíduos sólidos urbanos são gerados em ambientes domésticos e em espaços públicos urbanos todos os dias. De acordo com o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), que coleta dados dos prestadores de serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos desde 2002 e disponibiliza o Diagnóstico SNIS-RS com um panorama geral do país, 66,6 milhões de toneladas foram coletadas diariamente no Brasil em 2020. O levantamento reuniu informações de órgãos gestores dos serviços públicos de 4.589 municípios, correspondente a 82,4% dos 5.570 municípios brasileiros.

O aumento na cobertura de coleta domiciliar de resíduos sólidos também é apresentado pelo relatório. Em um comparativo observa-se que, em 2010, a cobertura de coleta atendia uma população de 119,3 milhões de habitantes. Em 2020, este número saltou para 190,9 milhões. O diagnóstico daquele período também identificou 307 mil empregos diretos e temporários no setor em ocupações como coletores e varredores, trabalhadores da capina, roçada e pintura de meio fio, além de trabalhadores em unidades de manejo.

Dados coletados das CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) demonstram a exposição destes trabalhadores a acidentes. Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2020 foram registrados aproximadamente 98 mil acidentes no setor de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. A estimativa, considerando os parâmetros atuais, é que poderiam ocorrer, até 2031, entre 83 mil a 113 mil acidentes a mais, caso ações não fossem adotadas. Por meio das CAT, no mesmo período, também foram registrados 345 óbitos no setor. Os números, certamente, são superiores. Isso porque os dados abrangem apenas os empregados com carteira assinada, uma vez que a definição legal de acidente de trabalho se restringe às ocorrências que envolvem os segurados do RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Como aos municípios, por lei, é designada a responsabilidade pelos serviços de limpeza urbana, há cidades onde essas funções não são exercidas por trabalhadores celetistas. E, mesmo naquelas que terceirizam o serviço através de licitações, o que se encontra são contratos com poucos critérios em termos de SST.

Fonte: Proteção

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